Tem IA, ESG, painel de indicadores...

e uma liderança que ainda opera como em 1985.

Roberta Hahn

6/16/20254 min read

Quando eu era criança, lá pelos anos 80, costumava acompanhar meu pai no escritório. Sentava no canto da sala, com meus lápis e meus papéis, desenhando. Enquanto isso, observava (sem saber que estava observando) a dinâmica daquele ambiente. Pessoas sentadas em torno de uma mesa. Um monte de papel espalhado. E, invariavelmente, uma pessoa concentrava o maior tempo de fala (que eu sabia que era o chefe), enquanto as outras assistiam, concordavam ou esperavam pacientemente pela sua vez de fala, se houvesse.

Na época, aquilo parecia normal. Era o que se fazia. Era o que se esperava. Ninguém falava sobre isso, ninguém questionava. Era simplesmente… assim.

Quarenta anos se passaram. O mundo virou do avesso. Estamos na era da inteligência artificial, do colapso climático, da ascensão da pauta ESG, da centralidade da saúde social nas grandes organizações. E, ainda assim, sabe onde eu vi exatamente esse mesmo cenário acontecer? Semana passada. Durante o mapeamento das relações de uma empresa que me contratou para fazer um diagnóstico cultural.

Pessoas sentadas em torno de uma mesa. Uma pessoa detendo o maior tempo de fala. As outras assistindo. Algumas engajadas, outras absolutamente desconectadas. E uma cultura inteira operando no piloto automático, como se ainda estivéssemos em 1985. A única diferença é que, naquela época, ainda rolava uma fumaça de cigarro na sala, era socialmente aceitável fumar em ambientes fechados, hoje isso é impensável. Mas, curiosamente, a lógica da reunião permanece intacta.

É sério isso?

A pergunta que fica é simples e incômoda: como é possível que organizações que se dizem inovadoras, digitais e ágeis ainda repitam, sem questionamento, os mesmos rituais de controle, hierarquia e silenciamento que seus antecessores praticavam quatro décadas atrás?

O problema não é só a reunião. A reunião é só o sintoma. O problema é o modelo mental que a sustenta. O problema é a falsa crença de que cultura se faz com discurso sobre mindset de performance, enquanto se repete a lógica da centralização, do comando e da obediência disfarçada de alinhamento.

Se sua reunião ainda se organiza em torno de quem detém o tempo de fala, saiba que ela não é colaborativa: não importa quantas vezes você fale em “time”, “autonomia” ou “propósito”. E o mais grave: o que se perde não é só eficiência. O que se perde é vínculo, é pertencimento, é a possibilidade de inovação e desenvolvimento das pessoas. É a inteligência coletiva que morre antes mesmo de nascer.

O paralelo é inevitável. Assim como há escolas que ainda operam no modelo ultrapassado de transmissão do conhecimento, onde poucos falam, muitos escutam e quase ninguém questiona, há empresas que romanticamente acreditam que estão construindo cultura, quando na verdade estão apenas reproduzindo o modelo organizacional que aprenderam nos anos 80.

E aqui vale nomear com letras neon: cuidar de pessoas não é sobre distribuir brindes, oferecer vouchers de bem-estar ou fazer a semana da saúde mental com ioga na hora do almoço. Isso pode ser bacana, claro, mas não move cultura.

Cuidar de pessoas é criar ambientes onde o pertencimento não é uma promessa vazia, mas uma prática viva. Onde o desenvolvimento individual e o crescimento da empresa caminham juntos. Onde o espaço para as singularidades existe não como concessão, mas como estratégia. Porque empresas que cuidam verdadeiramente do fator humano não são menos lucrativas, são, na verdade, mais resilientes, mais inovadoras e mais sustentáveis, como mostra Amy Edmondson em suas pesquisas sobre segurança psicológica e desempenho em equipes.

O que as lideranças ainda não entenderam (ou fingem não entender, porque há ganhos mantendo o status quo) é que cultura não se constrói com palestras sobre mindset, mas na maneira como se toma decisão, se distribui poder, se ocupa (ou se cede) espaço. É sobre quem fala, quem é ouvido, quem é ignorado, quem é interrompido.

Se você quer saber qual é o primeiro sintoma de uma cultura doente, eu te digo: tempo de fala centralizado.

É isso que revela o que não está dito, mas está operando. É o código-fonte da hierarquia simbólica.

Então me responde, com honestidade: se sua liderança é colaborativa, por que tudo ainda passa por você? E mais: o quanto sua equipe está, de fato, participando das decisões: não das tarefas, das decisões?

Se você ainda acredita que cultura não muda, eu te devolvo com toda serenidade e precisão: cultura muda quando se faz diferente o que sempre fizeram. Ponto.

Se sua reunião ainda se parece com 1985, talvez o problema não seja falta de ferramenta, metodologia ou engajamento. Talvez o problema seja o modelo, e sua escolha em mantê-lo. Porque a mudança não começa no discurso. Ela começa no gesto. No tempo de fala. No espaço que você ocupa. E, principalmente, no espaço que você abre.

Na mentoria, é esse o trabalho: revisar a centralidade, questionar as lógicas de controle e cultivar espaços onde o poder circula, em vez de se acumular. Não se trata de ensinar delegação. Se trata de redesenhar a estrutura simbólica do comando.

E no dia 23, acontece o Lab Reuniões que conectam. gratuito. E quem estiver no grupo vai ter acesso a uma oportunidade que não vai se repetir. Link no primeiro comentário. Tem eventos que informam. Outros que provocam. Esse é do segundo tipo.

Até a próxima troca,

Roberta Hahn